É uma sexta-feira e um
feriado, ou seja, as ruas estão bem mais vazias do que o normal. Todos foram
para a praia ou para o interior ver suas famílias. O céu cinza e carregado de
Porto Alegre oprime, fazendo aqueles poucos que precisam se locomover de um
lado a outro para seus compromissos ficarem incomodados por não saberem quando
começará a tempestade que está à espreita. Apesar do vento forte, o ar está
pesado e quente. Esse é apenas um daqueles dias que você deseja ficar em casa
sem ter que fazer nada. Sempre chove nesse dia do ano. E à noite Rodrigo sempre
está no mesmo quarto do Hotel Lancaster.
Pela manhã ele se
apronta, pega as flores que comprou no dia anterior, exceto um lindo buquê de
rosas vermelhas, e sai para visitar seus parentes e amigos. Indo de lá para cá
na cidade, fica incomodado com o quanto ela está vazia e com o clima
melancólico que se instalou no ar. O dia passa lento, mesmo com toda a conversa
e as boas lembranças que surgem enquanto está com aqueles de quem gosta.
Quando enfim são seis
horas da tarde, Rodrigo chega em casa já jogando as roupas pelo caminho e indo
direto para um rápido banho. A ansiedade que permaneceu com ele o dia todo está
em seu auge, pois falta apenas uma hora para o momento que ele aguarda
ávidamente todos os anos. Enquanto se arruma, ele relembra da noite em que tudo
começou, doze anos atrás.
Era um dia praticamente igual ao atual, porém com muito mais chuva.
Rodrigo estava na cidade para aproveitar o feriado visitando alguns amigos.
Porém, devido ao mau tempo ficou este dia inteiro em seu quarto no Hotel
Lancaster, lendo alguns contos do Stephen King e observando o aguaceiro que
caía sem parar. No início da noite, ele resolveu descer até o restaurante para
trocar de ares e ver alguns rostos além dos de sua imaginação, atiçada pelas
histórias de terror.
Depois de um tempo sentado observando os outros hóspedes enquanto bebia
uma taça de vinho tinto, uma bela morena, vestindo um elegante vestido preto,
que destacava ainda mais sua pele alva, chegou no restaurante meio afobada,
parecendo recém ter fugido do tempo caótico da rua. Ela sentou-se sozinha em um
canto e pediu também uma taça de vinho.
Rodrigo admirou-a por alguns momentos e, em um raro momento de
impetuosidade, decidiu levantar-se e ir até lá conversar com a misteriosa
mulher. Conversaram por horas, foi como se conhecessem desde sempre. Quando a
noite já ia adiantada, após muitas taças de vinho, a moça olhou para o relógio
na parede e, espantada, disse” Olha só a hora! E ainda nem reservei meu
quarto...”. E foi o que bastou para Rodrigo tomar coragem e convidá-la para ir
até seu quarto.
Quase esqueceu o buquê
de rosas, tamanha a pressa que tinha de sair de casa. E assim que saiu teve que
voltar para pegar o guarda-chuva, que também esqueceu. A chuva fina não
atrapalhou seus planos nem o aborreceu, na verdade até fazia parte de todo o
ritual do dia. Ele chegou vinte minutos antes das sete no hotel, pediu que
levassem uma garrafa do melhor vinho até o quarto que tinha reservado e foi
para lá preparar o lugar e, principalmente, se preparar.
Sete horas em ponto ele
ouviu sua leve batida na porta e logo depois ela entrava no quarto, enchendo-o
com sua beleza e brancura incomum. O perfume dela se misturou ao das rosas com
que a presenteou, e deixou Rodrigo inebriado. Serviram o vinho e dali adiante
tudo se repetiu, tal qual nos anos anteriores.
Na manhã seguinte,
Rodrigo já despertou triste, pois o seu dia preferido no ano havia terminado.
Olhou para o criado mudo ao seu lado e viu o característico bilhete, com a
letra tão familiar, dizendo a frase que já sabia de cór: “Rodrigo, nos vemos no
ano que vem, mesmo dia e hora. Saudades.”. Ela nunca estava lá quando ele
acordava, nas primeiras vezes isso o incomodou, mas agora já tinha se acostumado.
Arrumou-se ainda um pouco embriagado, parte pelo vinho, parte pelas novas
memórias da noite anterior. Viu algo que parecia papel celofane, daqueles que
se embrulham flores, cintilando ao sol quase embaixo da cama, mas não parou
para olhar. Foi saindo devagar do quarto e deixando pra trás mais um dia dois
de novembro.